O abortista

Por Percival Puggina.

Quando tomei conhecimento do ocorrido em Sapucaia do Sul, fiquei pensando sobre qual seria a reação do meu amigo abortista ao saber daquilo. O sujeito defende o aborto em quaisquer circunstâncias. É militante pela copa franca, ou seja, para ele, não engravidar, engravidar e abortar “são direitos da mulher e deveres do Estado”. Seu ídolo é o ministro Ayres Britto, do STF, segundo quem, um ser gerado por pai e mãe pertencentes à espécie humana só vira gente depois de chorar na sala de parto. Para meu amigo e para seu ministro preferido, o veterinário que trata de um bezerro no útero da vaca está tratando de um bezerro, mas o médico que “interrompe uma gravidez” está eliminando uma coisa.

Pois não é que por uma dessas tramas do destino, horas após, dou de cara com meu amigo abortista? Encontramo-nos à saída do estacionamento. Enquanto subíamos juntos pela Rua General Câmara, fui contando a ele que uma mocinha de seus vinte anos dera entrada no hospital de São Leopoldo, com sangramentos. Os médicos, tendo percebido que se tratava de um aborto, notificaram a autoridade policial. Estranhamente, até aquele momento, os pais da moça, que a acompanharam ao hospital, sequer sabiam que ela havia estado grávida, embora o feto, digo, o bebê, pesando pouco menos de um quilo e meio andasse, por volta da 30ª semana.

Tudo isso eu ia contando para meu amigo abortista enquanto subíamos a forte ladeira. Ele revelava pouco interesse. Espichava os olhos para as vitrinas das livrarias e fazia observações sobre o azul do céu porto-alegrense em tempos de estiagem. Mas eu tinha munição pesada no arsenal da narrativa para atrair sua atenção. “Imagina – prossegui – que os pais da guria, ao retornarem para o apartamento, encontraram o feto, digo o bebê, ainda com sinais de vida, todo ensanguentado, dentro de uma sacola plástica”. Meu amigo abortista emitiu um “hummm” que se perdeu nos ruídos dos automóveis na Rua Riachuelo.

“Esse sujeito tem mãe, pensei comigo. Tem mãe e tem um coração no peito porque se não tivesse não conseguiria subir esta lomba. Como pode reagir com um simples hummm ao que estou lhe contando?”. E tratei de cavar no fundo da tragédia o que nela havia de mais revoltante. “O feto, digo, o bebê, foi levado para o hospital. Respirava com grande dificuldade e tivera as duas pernas quebradas durante a extração”. Ninguém resiste, pensei, à imagem das pernas quebradas de um feto, digo, de um bebê com um quilo e pouco. Meu amigo abortista, no entanto, parecia mais interessado nas pernas de uma estudante do colégio Paula Soares, que descia as escadarias da praça sobraçando um conjunto de pesados cadernos. “E daí?”, perguntou com displicência.

Contei até dez, e no onze acrescentei que o jovem par fora autuado em flagrante por tentativa de homicídio, que o pai estava recolhido à Penitenciária Estadual do Jacuí e a mãe ao presídio feminino Madre Pelletier. Nesse momento, meu amigo abortista se ligou no assunto. “Estão presos, é? Que absurdo! Vê só o resultado dessas idéias de vocês! Tivessem feito esse mesmo aborto direitinho, num hospital, com assistência médica, nada disso teria ocorrido”.

Mandei meu amigo abortista para um lugar bem feio e fui adiante, pensando que por essa mesma moral o sujeito pode assaltar uma joalheria, desde que o faça com luvas de pelica. De fato, os defensores do aborto não dão valor à morte dos fetos porque não dão valor à vida. Dos outros.

Fonte: Percival Puggina: a política como ela deve ser.