O Eterno e o Tempo da Imprensa

Por Carlos Ramalhete.

A desculpa para escrever este texto – que publico sem revisão por falta de tempo – é a enésima vez que um Papa (ou Bispo, ou padre, ou leigo católico conhecido como tal) diz uma coisa e a imprensa faz uma tempestade alucinada num dedal d’água, berrando aos sete ventos que “o Vaticano/Papa/Bispo mudou e agora é a favor de camisinhas/aborto/sodomia”.

Isto *sempre* acontece, e é *sempre* seguido por leigos nem-tão-engajados-assim, modernistas de direita e outras figuras da periferia católica rasgando as vestes, como se o absurdo que a imprensa disse fosse verdade. E o Papa, Bispo, padre ou leigo engajado passa a ter mais trabalho para lidar com aqueles que com os judeus, pagãos, protestantes e orientais, que normalmente prestam mais atenção no que ele tenha a dizer quando querem saber qual é a dele.

Isto acontece por uma razão simplíssima: o universo mental e o modo de lidar com a realidade da Igreja e da imprensa simplesmente não poderiam ser mais diferentes. Infelizmente, todavia, há muita gente que raciocina de modo mais semelhante ao da imprensa que ao da Igreja se manifestando nesta ocasião e em outras semelhantes.

Vejamos quais são estes modos de ver o mundo, estes universos mentais tão díspares.

A imprensa é heraclítica. Para ela, só há mudança, devir, novidade. A novidade é a notícia, e é ela, e só ela, que interessa. O resultado é evidente quando se examina qualquer jornal, revista, noticiário, etc.: o que permanece não é notícia. Diz o ditado que quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia; só é notícia o homem que morde o cachorro, justamente por ser diferente, ***novo***. Os milhares de crianças que nascem saudáveis não são notícia, mas se nascer um bebê com quatro braços, a imprensa em peso vai noticiar. A mais séria de modo comedido, a mais popularesca fazendo comparações com divindades hinduístas. Do mesmo modo, na política é notícia o que muda, o que sai do padrão. Na vida cotidiana, o crime, o incêndio, a tragédia.

A Igreja, por outro lado, é a portadora de uma mensagem eterna. Para a Igreja, estamos há dois mil anos na Plenitude dos Tempos; a Revelação já foi toda dada e concluída, e nada mais acontecerá de realmente importante até o fim dos tempos. Em outras palavras, a eternidade penetrou no tempo, dando-nos todos a possibilidade de adentrar a eternidade. E o papel da Igreja é este: ajudar-nos a adentrar a eternidade.

Vale notar os dois lados desta equação da vida eclesial: um é a eternidade, que não muda jamais. A verdade, que é sempre a mesma. A natureza humana, que é sempre a mesma. O outro é a aplicação disto a cada um de nós. A Igreja conhece o ser humano como ninguém mais, sabe perfeitamente como cada coisa nos afeta, o que nos faz bem, o que nos faz mal, etc. Mesmo alguém que não tenha Fé pode perceber isto; afinal, dois mil anos prestando atenção no ser humano fatalmente a levariam a acumular algum conhecimento!!!

Os seguidores de religiões naturais tradicionais (como o hinduísmo, o budismo e algumas formas do islã), bem como os judeus ortodoxos, aliás, concordam em quase tudo com a Igreja no tocante ao ser humano, justamente por terem se dedicado, ao longo dos séculos, a estuda-lo.

Um clérigo católico experiente (padre, Bispo ou Papa) e ortodoxo há de ter passado algumas décadas a cuidar desta equação, a ajudar individualmente pessoa após pessoa a se tornar alguém melhor. Ele há de ter tido notícia de horrores inimagináveis, ouvidos no confessionário. Ele há de ter visto pessoas que caem após anos e anos de melhora. Não apenas a feiúra dos nossos desejos desabridos, mas a ***falta de originalidade*** deles está profundamente gravada na maneira dele de ver o mundo.

O primeiro sodomita, pedófilo, adúltero ou zoófilo há de espantar o padre recém-ordenado, que só havia estudado aquilo num compêndio de teologia moral. Ao longo dos anos, contudo, o que lhe salta aos olhos é a semelhança entre todos eles, o modo como toda tentação é parecida. É nesta hora que lhe é valioso o compêndio de teologia moral, que lhe lembra que por mais que um furto e um adultério sejam tão semelhantes, o efeito deles sobre a alma humana é diferente.

Trata-se, assim, de alguém que dedicou a vida a ajudar pessoas presas no tempo, pessoas que acham que aquela tentação – que é exatamente igual à do próximo! – é uma novidade absoluta, a adentrar a eternidade e deixa-la para trás. Para isto, ele tem um arsenal de técnicas mais que comprovadas pelo tempo, a serem aplicadas na direção espiritual e no aconselhamento. Sempre pessoa a pessoa, sempre tendo a eternidade como objetivo.

Mas, afinal, o que levaria alguém a querer melhorar? O que levaria alguém a buscar a santidade – que nada mais é que a sanidade! –, ao invés de buscar mais dinheiro, mais sexo, mais Aifones do último tipo, ou sei lá o que se vende hoje em dia como desejável?!

Mysterium Fidei, este é o Mistério da Fé.

A Fé é uma graça divina. Em bom português, isto significa que ela é um presente de Deus ao homem, não uma decisão humana. A decisão – que existe! – é simplesmente de aceitar, ou não, a Fé que Deus oferece. Contra esta decisão há todo tipo de apego ao temporal (dinheiro, poder, sexo, Aifones… basicamente, tudo o que se perde na morte). A favor, contudo, há a perfeição divina. Há a ação dos Santos. Há os milagres (hoje, dia de São Januário, é o dia de um milagre que se repete regularmente há coisa de dezessete séculos!). Há a Verdade.

Parece um jogo ganho de antemão, mas sabemos todos – e mais ainda o sabe quem sentou por horas a fio, dia após dia, ano após ano, em um confessionário, ouvindo a horrenda banalidade do mal que se repete de coração em coração – que é tão fácil trocar nossa herança por um prato de lentilhas. Ou por um belo par de seios, ou por um empreguinho legal, ou um carro novo.

O que nos há de atrair a Deus, contudo, é sempre Ele mesmo. Em última instância, estamos falando de corresponder ao amor divino, um amor eterno, que ama cada indivíduo e ajuda – através da Igreja – cada indivíduo a se livrar daquilo que o torna menos ele mesmo. O pecado, afinal, é a negação de si mesmo. Quando eu peco, estou sendo falso em relação a mim mesmo. Se eu traio minha mulher, estou sendo menos o marido dela (que eu sou!) e mais um adúltero genérico, exatamente igual a todo e qualquer patético frequentador de casas de suingue ou bordéis.

Para a imprensa, contudo – e aí voltamos ao tema deste texto, que já parecia esquecido –, nada disso existe ou importa. Existe apenas a titilação da novidade, inclusive e especialmente a falsa novidade da última apresentação da mesma tentação velha e desgastada.

No momento, estamos na transição entre a titilação da sodomia – que está rapidamente deixando de ser titilante pelo excesso de repetição, a não ser que se trate de lesbianismo (mocinhas núbeis se esfregando têm para o vulgo um apelo bastante maior que o de rapazes fazendo o mesmo) – para a da pedofilia (que está passando de coisa medonha a coisa excitante do momento).

Mas tanto faz. Tanto uma quanto a outra são a mesma coisa, a mesmíssima e velhíssima prática de desviar-se do fim de um ato para arrancar dele um prazer que deveria ser a recompensa, não o objetivo. No fundo, dá no mesmo fornicar, entregar-se à sodomia, pedofilia ou zoofilia ou simplesmente, como faziam os romanos, comer e vomitar para poder comer mais. Ou comer produtos “diet” em megadoses, como se faz hoje em dia. É a mesma busca do prazer sem suas consequências, da recompensa sem o prêmio.

Quando, então, a imprensa e o clero – no momento, o Papa Francisco – tentam se comunicar, o que temos é um diálogo de surdos.

O Papa vai responder às perguntas que lhe são colocadas a partir do ponto de vista da eternidade (“sub species aeternitatis”), enquanto a imprensa vai buscar basicamente ***novidades***. Ora, por definição, não há novidades. A Revelação se concluiu com a morte do último dos apóstolos (aos curiosos, trata-se de São João, no final do Século I; ele era adolescente quando da Crucifixão).

Desta forma, a imprensa vai buscar sempre os pontos em que a maluquice daquele momento, daquele segundo, daquela etapa microscópica dos interesses demagógicos e vacilantes de uma sociedade em decadência está em conflito com a eternidade, e tentar vender a falsíssima idéia de que há alguma novidade, de que a Igreja “finalmente mudou”, como se isso fosse possível. Há alguns dias, era um burocrata da Santa Sé que deu vazo a delírios da imprensa, torcendo suas palavras para usá-las como se ele negasse o celibato dos sacerdotes (e, mais ainda, como se esta suposta negação mudasse algo na doutrina da Igreja!). Agora, é uma série de delírios interpretativos absoluta e completamente bizarros acerca de algumas declarações do Santo Padre em uma entrevista, ignorando não só o contexto mas as próprias palavras dele para falar sandices acerca de aborto, sodomia e o que mais vier.

Temos, assim, de um lado, um clérigo falando da Eternidade. Do outro, um jornalista buscando a titilação do momento, o devir, a mudança.

Ora, como poderia haver algum diálogo?! Como poderia haver alguma comunicação??!!

A imprensa vai, sempre, tentar torcer as palavras dos clérigos. Não é por maldade, mas porque o “radar” deles só registra mudança, movimento. E os falsos positivos do radar são muitos; não sei você, caro leitor, mas em todos os temas que domino por força dos estudos ou da ação profissional, ao ver o que é publicado nos jornais a respeito, fico chocado com a má qualidade das informações.

Ao tratar da Igreja, então, que se lhe é tão radicalmente contrária em sua visão de mundo, é praticamente impossível que a imprensa faça uma leitura que tenha algum sentido. Tudo, sempre, vai retornar àquilo em que o fabulário geral do delírio cotidiano se afasta mais visivelmente do que é Eterno: no momento, é aborto, sodomia e camisinhas; daqui a alguns anos, pedofilia e zoofilia entrarão no jogo.

O que a Igreja prega, contudo, não é nem aborto, nem camisinhas, nem sodomia. Nem – por mais incrível que isso possa parecer a meus queridos coleguinhas jornalistas – a negação deles. A Igreja prega o Eterno. Estes temas, tão titilantes e palpitantes para o jornalista que simplesmente não consegue entender como cargas d’água alguém pode diferir da sabedoria coletiva do PSOL e das Organizações Globo, para a imensa maioria dos católicos mais sérios e comprometidos com a Fé, simplesmente não se registram no radar.

Eu mesmo, por exemplo, sou casado. Não tenho a menor intenção de cometer adultério, e creio que não fosse sequer saber como se usa uma camisinha (tomei jeito antes delas virarem coisa normal) se resolvesse cometê-lo. Tanto melhor: assim tenho ainda mais razões para não o cometer!…

A sodomia simplesmente não me atrai. Como, contudo, eu tenho cá minhas tentações, quem seria eu para brigar com alguém, ou mesmo para simplesmente trata-lo de modo diferente, por ele ter esta tentação?! Simplesmente não é da minha alçada.

Aborto, para mim, é exatamente igual a qualquer outra forma de homicídio: espero sinceramente jamais sofrer esta tentação, e espero ter forças para perdoar quem nela caia.

Nenhum destes temas jamais foi objeto de uma homilia que eu tenha ouvido numa Missa, por ser, para qualquer católico, algo evidente. Ao contrário, as boas homilias que ouvi, as que me fizeram sentar mais reto no banco para prestar mais atenção, falaram de como lidar com o que nos tenta, de como Deus Se nos revelou e Se nos revela, dos Sacramentos, dos Mandamentos, do amor conjugal de Cristo pela Igreja, etc.

Reduzir a Igreja à sua oposição a este ou aquele tema titilante da moda é simplesmente perder a Igreja de vista. É mais que evidente que isto ou aquilo é errado. Não é por a sociedade pregar isto ou aquilo como certo, contudo, que eles são errados: é por serem armadilhas velhíssimas, enferrujadas e cheias de teias de aranha, com as quais nós tentamos fugir da Eternidade que nos chama, e que é tão maior que tudo isso.

Quem, assim, reclama do Papa ou de qualquer clérigo por não tratar a imprensa como a imprensa quer ser tratada, por não cair em uma guerrinha imbecil de “pundits” e frases de efeito, simplesmente não entendeu a que vem a Igreja. E quem usa as imbecilidades que a imprensa publica sobre a Igreja para rasgar as vestes e entregar-se a escândalo farisaico, por vezes até condenando abertamente o Santo Padre, deveria calar a boca e voltar-se à eternidade. Num confessionário, e depois numa igreja vazia e sem luzes elétricas, de joelhos diante do Santíssimo. Do Eterno. De Deus, que não passa.

Na Festa de São Januário do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013,

Na Quinta São Tomás, no Carmo de Minas,

Carlos Ramalhete,

Um pobre pecador, que mendiga uma sua Ave-Maria.

Mensagem do dia (09/11/2012)

Não se trata de “defender a nossa fé, nossa igreja, nossa doutrina”; elas não são nossas. A Fé é uma graça de Deus, a Sã Doutrina é a Verdade ensinada pelo próprio Deus, e a Igreja é o Seu Corpo Místico. Se fossem “nossas”, defendê-las seria presunção. Como não são, é dever de justiça.

Carlos Ramalhete.

Protestar contra a exploração das mulheres tirando a roupa: tudo a ver

Dada a repercussão do artigo do professor Carlos Ramalhete sobre a infeliz “Marcha das Vadias”, publicado no jornal Gazeta do Povo e disponível aqui, resolvi dar minha contribuição ao tema.

Ninguém merece ser xingado ou agredido. Da mesma forma, um cara não “merece” ser furtado ao usar um rolex na Praça Sete, às cinco e meia, seis horas da tarde. Da mesma forma que não é CONVENIENTE um sujeito não usar um rolex a essa hora nesse lugar específico, também não é CONVENIENTE uma mulher usar determinadas roupas em determinados locais ou em determinadas horas. Da mesma forma que existe gente que acha certo bater em prostitutas (“ah, é só uma puta”), xingar mulher de minissaia ou que mulher “provoca” o estupro, existem pessoas que furtam e roubam, e não vêem nenhum problema nisso – às vezes, até arranjam ótimas justificativas para o ato: embolsou o troco errado a mais que o caixa do supermercado lhe passou? “Ah, todo mundo faz isso, é pouquinho esse dinheiro mesmo”.

Claro que o estupro e o abuso sexual são muito mais graves que o furto e o roubo. O que estou dizendo é que ambos são crimes, e protestos inúteis como o da “marcha das vadias” só têm como efeito criar a ilusão de que a “sociedade” é a culpada dos mesmos, quando “sociedade” é um ente abstrato, e não tem nada a ver com isso, porque quem comete um crime é um INDIVÍDUO, uma PESSOA, alguém que deve ser responsabilizado por seus atos. Se essa “marcha das vadias” tivesse realmente alguma intenção prática, deveria, ao invés dessa conversa fiada idiota e frívola, exigir sim da polícia proteção às mulheres – e digo mais: deveria exigir que as mulheres tivessem o direito de portarem armas, para enfiar um tiro na cabeça do bandido que viesse a tentar estuprá-las.

Mas o que essa marcha se propõe é: vamos conscientizar os coitadinhos dos estupradores. Acho que uma boa iniciativa da “marcha das vadias” deveria ser então a de distribuir bonecas infláveis para os ditos cujos. Iria funcionar beleza. Ao menos, na teoria, que é tudo o que esse pessoal sabe – recusam-se a ver a realidade como ela é, idealizando o sonho de um mundo perfeito e impossível, sem crimes, sem vícios, sem mazelas.

De novo: assim como não é conveniente alguém balançar o rolex na Praça Sete, às 5:30 da tarde, não é conveniente andar em determinados horários com determinadas roupas. Isso é fato. Se a sociedade realmente culpasse a vítima, como esses idiotas supõem (“a sociedade diz para você não ser estuprada”, diz um dos cartazes promovendo a tal marcha), eu queria entender, na minha cabecinha pequena, porquê os estupradores são tão bem recebidos na cadeia pelos outros presos.

E aí, novamente o papo: vamos convencer a sociedade que a mulher tem o direito de usar minissaia – mas isso, por tabela, vai convencer aos estupradores? Não. E daí??? Aonde essa marcha vai levar? Protesto contra qual mentalidade? Protesto para “conscientizar a sociedade”? Ora bolas, quem é a “sociedade”? Onde é que a tal “sociedade” diz isso, que mulher não deve se deixar ser estuprada? Dizem que eu faço parte dessa maldita sociedade; agora, se alguém disser que mulher que veste como vadia merece ser estuprada, a minha vontade é de socar o olho do sujeito.

Se o policial lá no Canadá foi infeliz ao utilizar determinado termo, ele poderia falar de outra forma: ajudaria as mulheres se vestirem de determinado jeito, em determinados locais, em determinados ambientes. Mas ajudaria que não saíssem sozinhas em determinado horário. Por que? Porque não temos condições de botar um policial em cada esquina, junto de cada poste de iluminação pública, pra garantir a segurança das moças. E me digam uma coisa: e se realmente “roupas ousadas” atraírem um estuprador, ou provocarem um estupro, um único que seja? A culpa vai ser da “sociedade” ou do monstro responsável pelo crime?

E a lei, se esses idiotas não sabem, prevê o direito à legítima defesa. Em países civilizados, o porte de arma existe, e a lei é utilizada para disciplinar o uso das armas de fogo para esse fim. Não estou falando de ir para a selva com fuzil; estou enfatizando a importância da legítima defesa. E isso não significa todo mundo “começar a se matar”, a não ser que você admita que o sistema de leis onde você vive no Brasil é simplesmente M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O, funciona, e esses 45 mil homicídios anuais são catástrofes naturais, acontecem espontaneamente (briga de trânsito, vizinho nervoso, etc). Legítima defesa significa: mulheres se defendendo dos marginais que as atacam, se necessário MATANDO-OS (tadinho do estuprador). Selva é justamente o contrário: você admitir que uma mulher não pode usar armas porque é muito feio, vai virar “selva”, ainda que uma arma possa significar a integridade física, ou até mesmo a vida dela. Se é negado a uma pessoa o direito fundamental à legítima defesa da própria vida, aí sim estamos na selva, sob o controle de um estado autoritário, que apenas finge se responsabilizar por nossa segurança. E se 45 mil homicídios anuais não forem sintoma claro e veemente da falência de nossa sociedade, eu não sei é mais nada.

Essa “marcha das vadias” é a mesma coisa que protestar contra o fato de o céu ser azul, ao invés de ser rosa ou verde-limão, é a mesma coisa que protestar contra um terremoto ou a força das ondas do mar. É coisa de gente que beira à psicose, ou à estupidez, de gente que possui a maturidade de uma criança revoltada de doze anos de idade. Histeria coletiva, sintoma de psicose. Apenas isso.

Mensagem do dia (25/07/2011)

O mal não atrai ninguém se não houver ao menos uma aparência de bem. É preciso fazer com que as pessoas achem que estão escolhendo o bem, quando na verdade estão escolhendo o mal; que achem que estão servindo a Deus quando na verdade estão se afastando d’Ele e servido o demônio – na melhor das boas intenções.

Carlos Ramalhete.

Estupro, aborto e valores distorcidos

Por Carlos Ramalhete.

Têm sido espantosas as reações à declaração de dom Cardoso, arcebispo de Olinda e Recife, acerca das excomunhões dos responsáveis pelo aborto das duas crianças geradas no estupro de uma menina de nove anos de idade. O que ele fez foi apenas o seu dever: comunicar ter ocorrido a excomunhão automática dos responsáveis pela morte de duas crianças inocentes. Quem lesse as reações à comunicação, contudo, teria a impressão de que havia uma vida apenas em risco, e esta seria a vida da mãe das crianças. Não é o caso. A vida dela estava, sim, em um certo grau de risco, não maior nem menor que o de muitas mulheres grávidas com alguma complicação. Casos muito piores já chegaram a um final feliz.

Neste caso, contudo, aproveitando-se de uma falsa brecha legal – o fato de o Direito brasileiro não prever punição para o aborto de crianças geradas por estupro ou em caso de risco de vida para a mãe, exatamente como não prevê punição para o furto cometido por um filho contra o pai – grupos de pressão interessados na legalização do aborto apressaram-se, contra a vontade da mãe e de seus responsáveis legais, a matar o quanto antes as crianças que cometeram o crime de terem sido concebidas no transcurso de um repulsivo estupro. Os filhos são punidos com pena de morte pelo crime do pai.

A violência das reações à declaração de dom Cardoso, contudo, mostra claramente o alcance – em alguns setores bastante vocais da classe média urbana – de uma pseudoética apavorante. As crianças mortas simplesmente não entram na equação, não são consideradas. O próprio estupro só é mencionado de passagem. O risco de vida para a mãe é transformado em uma certeza de sua morte. São saudados como heróis salvadores os carniceiros que arrancaram do ventre da mãe duas crianças perfeitamente saudáveis e atiraram os cadáveres em uma cesta de lixo, onde provavelmente estava uma cópia mofada do juramento de Hipócrates que fizeram quando se formaram médicos.

Isto ocorre por ter sido perdida a noção do valor da vida. A vida, em si, para os defensores do aborto, não vale nada. Ao invés dela, o que teria valor seria o resultado final de uma equação que tem como componentes o bem-estar da pessoa e sua utilidade para a sociedade. As crianças abortadas não têm valor para a sociedade, logo podem ser mortas. Mais ainda, não merecem menção. A única criança digna de menção é a mãe, e olhe lá.

Ela mesma, a mãe das crianças abortadas, tem seu sofrimento deixado de lado. Uma menina de nove anos de idade que sofreu a violência de um estupro, provavelmente reiteradas vezes; uma criança ela mesma, vivendo mais que provavelmente em condições miseráveis (sabe-se que sua mãe não sabe ler e escrever, o que serviu bem aos que simplesmente mandaram que apusesse a impressão do polegar aos papéis que, como depois ela veio a saber, eram a sentença de morte de seus netos), foi levada de um lugar para o outro, teve os filhos que ela desejava manter arrancados de seu ventre e mortos, sendo tratada apenas como excelente exemplo de portadora biológica de material a abortar.

É de crer que provavelmente os defensores do aborto teriam de bom grado preferido que ela também tivesse sido abortada: o resultado da equação de utilidade social e bem-estar que usam para valorizar uma vida dificilmente seria alto o suficiente no caso dela para garantir-lhe a sobrevivência.

O estupro, mais ainda, o estupro reiterado e contumaz de uma criança indefesa é um crime asqueroso, que poderia em justiça merecer a pena de morte (não percebi, aliás, em nenhuma das numerosas e estridentes reações pró-aborto à declaração de dom Cardoso, alguém pedindo que fosse estendida ao estuprador a pena de morte que sofreram seus filhos). Quem o comete vê em sua vítima apenas um orifício cercado por forma humana, um receptáculo fraco e indefeso, logo acessível a suas taras. É já uma negação da humanidade da vítima: ela não merece, crê o estuprador, ter direito de opinião sobre o que é feito com seu corpo.

A mesma negação feita pelo estuprador contra sua vítima foi reiterada sobre seus filhos: ela foi estuprada; eles foram mortos. Desumanizada pela primeira vez pelo estuprador, ela o foi novamente, juntamente com seus próprios filhos – a flor de esperança e de vida que poderia ter saído do lodo da violência – pelos que não consideram que a vida tenha, por ser vida humana, algum valor. Agora, esperam eles, esgotado seu valor de propaganda, ela pode rastejar de volta à miséria de seu barraco e deixá-los tocar em paz a campanha pró-aborto.

Fonte: Jornal Gazeta do Povo.