Por Carlos Ramalhete.
Têm sido espantosas as reações à declaração de dom Cardoso, arcebispo de Olinda e Recife, acerca das excomunhões dos responsáveis pelo aborto das duas crianças geradas no estupro de uma menina de nove anos de idade. O que ele fez foi apenas o seu dever: comunicar ter ocorrido a excomunhão automática dos responsáveis pela morte de duas crianças inocentes. Quem lesse as reações à comunicação, contudo, teria a impressão de que havia uma vida apenas em risco, e esta seria a vida da mãe das crianças. Não é o caso. A vida dela estava, sim, em um certo grau de risco, não maior nem menor que o de muitas mulheres grávidas com alguma complicação. Casos muito piores já chegaram a um final feliz.
Neste caso, contudo, aproveitando-se de uma falsa brecha legal – o fato de o Direito brasileiro não prever punição para o aborto de crianças geradas por estupro ou em caso de risco de vida para a mãe, exatamente como não prevê punição para o furto cometido por um filho contra o pai – grupos de pressão interessados na legalização do aborto apressaram-se, contra a vontade da mãe e de seus responsáveis legais, a matar o quanto antes as crianças que cometeram o crime de terem sido concebidas no transcurso de um repulsivo estupro. Os filhos são punidos com pena de morte pelo crime do pai.
A violência das reações à declaração de dom Cardoso, contudo, mostra claramente o alcance – em alguns setores bastante vocais da classe média urbana – de uma pseudoética apavorante. As crianças mortas simplesmente não entram na equação, não são consideradas. O próprio estupro só é mencionado de passagem. O risco de vida para a mãe é transformado em uma certeza de sua morte. São saudados como heróis salvadores os carniceiros que arrancaram do ventre da mãe duas crianças perfeitamente saudáveis e atiraram os cadáveres em uma cesta de lixo, onde provavelmente estava uma cópia mofada do juramento de Hipócrates que fizeram quando se formaram médicos.
Isto ocorre por ter sido perdida a noção do valor da vida. A vida, em si, para os defensores do aborto, não vale nada. Ao invés dela, o que teria valor seria o resultado final de uma equação que tem como componentes o bem-estar da pessoa e sua utilidade para a sociedade. As crianças abortadas não têm valor para a sociedade, logo podem ser mortas. Mais ainda, não merecem menção. A única criança digna de menção é a mãe, e olhe lá.
Ela mesma, a mãe das crianças abortadas, tem seu sofrimento deixado de lado. Uma menina de nove anos de idade que sofreu a violência de um estupro, provavelmente reiteradas vezes; uma criança ela mesma, vivendo mais que provavelmente em condições miseráveis (sabe-se que sua mãe não sabe ler e escrever, o que serviu bem aos que simplesmente mandaram que apusesse a impressão do polegar aos papéis que, como depois ela veio a saber, eram a sentença de morte de seus netos), foi levada de um lugar para o outro, teve os filhos que ela desejava manter arrancados de seu ventre e mortos, sendo tratada apenas como excelente exemplo de portadora biológica de material a abortar.
É de crer que provavelmente os defensores do aborto teriam de bom grado preferido que ela também tivesse sido abortada: o resultado da equação de utilidade social e bem-estar que usam para valorizar uma vida dificilmente seria alto o suficiente no caso dela para garantir-lhe a sobrevivência.
O estupro, mais ainda, o estupro reiterado e contumaz de uma criança indefesa é um crime asqueroso, que poderia em justiça merecer a pena de morte (não percebi, aliás, em nenhuma das numerosas e estridentes reações pró-aborto à declaração de dom Cardoso, alguém pedindo que fosse estendida ao estuprador a pena de morte que sofreram seus filhos). Quem o comete vê em sua vítima apenas um orifício cercado por forma humana, um receptáculo fraco e indefeso, logo acessível a suas taras. É já uma negação da humanidade da vítima: ela não merece, crê o estuprador, ter direito de opinião sobre o que é feito com seu corpo.
A mesma negação feita pelo estuprador contra sua vítima foi reiterada sobre seus filhos: ela foi estuprada; eles foram mortos. Desumanizada pela primeira vez pelo estuprador, ela o foi novamente, juntamente com seus próprios filhos – a flor de esperança e de vida que poderia ter saído do lodo da violência – pelos que não consideram que a vida tenha, por ser vida humana, algum valor. Agora, esperam eles, esgotado seu valor de propaganda, ela pode rastejar de volta à miséria de seu barraco e deixá-los tocar em paz a campanha pró-aborto.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo.
A pobre menina (em todos os sentidos) foi descaradamente usada em nome de valores medievais de uma igreja ressentida pela perda de seu poder temporal. Pouco se importam com a menina, a questão foi querer aparecer. O que não contavam foi com a forte reação popular: pesquisas indicam que nada menos que 85% da população reprova enfaticamente a atitude do bispo hipócrita. Menos mal.
Ai meu saco, mais um analfabeto intelectual que pensa que sabe que imagina o que foi a Idade Média. E só quem apareceu em cima da menina foram a Igreja e os carolas, mas aqueles que fizeram o aborto… Não apareceram não, imagina! Estão cheios de boas intenções… Essa campanha abortista é financiada pelas maiores multinacionais do mundo donas de clínicas de aborto através de suas “fundações”, eles não querem aparecer, fizeram o aborto na menina às pressas porque são bem intencionados, gente de bom coração… Quanto à “reação popular”, 84% dos brasileiros aprovam o governo Lula e 90% dos austríacos queriam que Hitler anexasse o país à Alemanha em 1938. Ainda bem que o povo é sempre esclarecido, sempre tem razão! Não é mesmo?
Que horror jornada cristã, pra quê escrever isso “meu saco”? É muito vulgar!!! É muito chulo! Não é comportamento cristão isso!!!
Ué, a própria igreja não usa pesquisas de opinião para embasar sua luta anti-aborto? Freqüentemente eu vejo padres, bispos e leigos em geral afirmando: “90% da população são contra o aborto”. Fazem campanhas utilizando essas cifras dizendo que ninguém pode contrariar a maioria da população. Quer dizer, quando serve a seus propósitos as pesquisas são úteis não é? A igreja pelo visto padece do mesmo mal de que acusa seus opositores: o relativismo.
A opinião pública não é infalível. Ao se relatar resultados de pesquisa, a vontade popular não pode ser tomada como argumento por si só que sirva para dar veracidade ao fato. O fato de 85% da população não concordar com o bispo (leia-se com a Igreja) em referido assunto não quer dizer que 85% da população esteja certa ou errada – quer dizer que há um conflito de pontos de vista. E a Igreja não deve ensinar de acordo com a vontade do povo, como escrevi em outro post. Dizer que a maioria da população desaprova a liberação do aborto não quer dizer, em si, que a prática do aborto é moralmente aceitável ou não. O que esse dado em particular quer dizer é que uma lei liberando o aborto estaria indo de encontro aos interesses da população. Em uma sociedade democrática, a vontade popular deve ser levada em consideração na hora de elaboração das leis. Portanto, o dado de que a maioria da população é contrária à legalização do aborto pode ser usado como argumento não com relação à moralidade da prática do aborto, mas de oposição à sua legalização, porque a legalização do aborto não representa os interesses da sociedade.