Galileu não esteve preso nem morreu na fogueira

Entrevista com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura

Por Carmen Elena Villa

ROMA, domingo, 24 de maio de 2009 (ZENIT.org).- A Organização das Nações Unidas declarou 2009 como o Ano da Astronomia, devido à comemoração do 4º centenário do nascimento do telescópio por obra de Galileu. Por que alguns organismos da Santa Sé se unem a esta celebração, se condenaram o famoso astrônomo?

Por este motivo, Galileu Galilei é visto hoje como um “santo leigo”, como um “mártir da ciência” e a Igreja, como a “grande inquisidora” deste gênio da astronomia. 

O caso de Galileu é mencionado também no livro “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, cujo filme foi lançado mundialmente no dia 13 de maio passado. 

Zenit falou com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura e co-autor do livro “Galileu e o Vaticano”, sobre aqueles mitos, assim como as verdades históricas do juízo que a Igreja realizou a este controvertido personagem. 

– Falemos um pouco das lendas negras de Galileu… 

– Dom Sánchez de Toca: Em 9 de maio passado, eu estava dando uma conferência sobre Galileu em Toledo, Espanha, a um auditório formado principalmente por seminaristas e pesquisadores católicos, e comecei dizendo-lhes que muitos se surpreendem ao saber que Galileu não foi queimado na fogueira e nem foi torturado, nem esteve na prisão. Ao terminar a conferência, um dos assistentes me disse: “eu sou um desses, eu sempre pensei que Galileu havia morrido na fogueira”. 

O curioso do caso é que na realidade ninguém o disse e nem provavelmente o tenha lido. Simplesmente é o que ele imaginava. Isso demonstra a força tão grande que tem o mito que se construiu em torno de Galileu. Como dizia João Paulo II, a verdade histórica dos fatos está muito longe da imagem que se criou posteriormente em torno de Galileu. Todo o mundo está convencido de que Galileu foi maltratado, condenado, torturado, declarado herege, mas não é assim. 

Para dar um exemplo muito recente, o livro de Dan Brown, “Anjos e Demônios”, tem um pequeno diálogo a propósito de Galileu, a quem apresenta como um membro da seita dos Illuminati e contém um monte de erros históricos junto a outras coisas que são corretas. 

– Podemos falar desses erros históricos de “Anjos e Demônios” com respeito relação ao tema de Galileu? 

– Dom Sánchez de Toca: Na realidade, o livro se refere a estereótipos que estão muito difundidos. O problema de fundo deste livro é a mistura de ideias filosóficas e científicas. A trama vem a dizer que o professor e sacerdote Leonardo Vetra é assassinado por uma seita porque descobriu o modo de tornar compatíveis a fé e a ciência; mais ainda, diz que a física é o verdadeiro caminho para Deus. Estas são ideias que se difundem muito, porque conseguiu, no laboratório, criar matéria do nada. Isso é um absurdo, filosoficamente falando. Fisicamente é impossível o que propõe, porque do nada não sai nada. Pode-se criar matéria a partir do vazio, mas o vazio não é o nada, o vazio é, enquanto o nada não é. É um princípio filosófico elementar. 

Esta tese diz que a física representa um caminho melhor e mais seguro para chegar a Deus. Logo, com relação a Galileu, concretamente, apresenta o estereótipo habitual, segundo o qual ele foi condenado por ter demonstrado o movimento da terra. 

Galileu dizia, e nisso estavam de acordo seus juízes, que não pode haver contradição entre o livro da Bíblia e o livro da natureza, porque um e outro procedem do mesmo autor. O livro da Bíblia, inspirado por Deus, e a natureza, observante executora de suas ordens. Se têm o mesmo autor, não pode haver contradição. Quando surge uma aparente contradição, significa que estamos lendo mal um dos dois livros e ele diz: é mais provável que sejamos nós que nos equivoquemos ao ler o livro da Bíblia – porque o sentido das palavras da Bíblia às vezes é recôndito e é preciso trabalhar para extraí-lo – que equivocar-se ao ler o livro da natureza, porque a natureza não se equivoca. 

Uma verdade natural, cientificamente demonstrada, tem uma força maior que a interpretação que eu dou do livro da Bíblia. Portanto, diz ele, em presença de uma verdade científica demonstrada, terei de corrigir o modo de interpretar a Bíblia. A Bíblia não se equivoca, mas quem a interpreta se equivoca. Um critério claro compartilhado por seus juízes e por todo o mundo. 

O Concílio de Trento, por outro lado, dizia que, na leitura da Bíblia, era preciso seguir a interpretação literal da Bíblia e o consenso unânime dos Padres da Igreja, a menos que houvesse uma verdade demonstrada que nos permitisse fazer uma leitura espiritual ou alegórica. O critério era muito claro: o que ocorre é que Galileu pensou que estava a ponto de conseguir a demonstração do movimento da terra. Uma coisa é estar convencido de que a terra se move e outra coisa é demonstrar que a terra se move. Galileu nunca demonstrou que a terra se movia. Estava convencido disso e hoje sabemos que tinha razão, mas seus juízes lhe diziam que não viam por que tinham de mudar o modo de interpretar a Bíblia, sobretudo quando o bom senso diz o contrário, sem uma prova definitiva. Os juízes de Galileu adotaram uma posição de prudência. Galileu foi além. Qual foi o erro dos juízes de Galileu? Deveriam ter se abstido de condená-lo. 

– Como foi, na verdade, o julgamento de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Fundamentalmente, Galileu foi processado em 1633 por ter violado uma disposição que lhe foi feita em 1616. A disposição de 1616, que Galileu não cumpriu, proibia-o de ensinar o copernicanismo, ou seja, a doutrina que diz que o sol está no centro e a terra se move ao redor dele. 

Galileu pensou que a proibição não era tão rígida, sobretudo depois da eleição do Papa Urbano VIII, e publicou um livro no qual, sob a aparência de um diálogo no qual se expõem os argumentos a favor e contra, tanto do sistema ptolomaico como do copernicano, na realidade se escondia uma apologia declarada do sistema copernicano. Não só isto, era já fraudulentamente o imprimatur, enganou a quem o concedeu dizendo que era uma exposição imparcial, mas não era nada imparcial. Por este motivo foi acusado e, portanto, submetido a processos, ou seja, submetido a um processo disciplinar. 

Galileu nunca foi condenado como herege, nem tampouco o copernicanismo foi declarado como herético. Simplesmente foi declarado contrário à Escritura porque sobre a base das provas que existiam então não era possível demonstrar o movimento da terra e, portanto, dizer que a terra se movia parecia ir contra a Escritura. Foi muito significativo que em 1616 um grupo de especialistas declarasse que a doutrina segundo a qual a terra se move ao redor do sol era absurda e isso se entende perfeitamente no contexto da época, porque não se podia demonstrar e o bom senso dizia que o sol se põe e sai. 

Sem uma física como a de Newton, sem uma prova ótica como o movimento da terra, a coisa parecia absurda. 

Nós crescemos desde pequenos vendo modelos e imagens do sistema solar, mas o fato é que ninguém viu a terra mover-se ao redor do sol, nem sequer um astronauta. Temos provas óticas do movimento da terra, mas ninguém viu a terra mover-se. Por isso nos parece que a atitude dos que condenaram Galileu é exagerada, mas na realidade responde a uma lógica. 

– E responde não somente ao que a Igreja pensava, mas a sociedade em geral…

– Dom Sánchez de Toca: Naturalmente. O copernicanismo encontrou uma grande oposição, principalmente nas universidades. Teve uma aceitação muito gradual e a oposição não foi só na Igreja Católica. Também as igrejas protestantes se opuseram a Copérnico. E ainda, em 1670, a universidade de Upsala, na Suécia, condenou um estudante porque havia defendido as teses copernicanas. 

– Quais foram os erros que a Igreja cometeu em seu julgamento a Galileu? O que se concluiu no trabalho feito pela comissão que João Paulo II criou em 1981 para estudar o caso de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Quem expressou muito bem isso foi o cardeal Paul Poupard no discurso ao finalizar o trabalho desta comissão, quando, com estas palavras – que no discurso parecem sublinhadas – destacou seu julgamento sobre o que aconteceu: “Naquela conjuntura histórico-cultural, a de Galileu, muito afastada da nossa, os juízes de Galileu, incapazes de dissociar a fé de uma cosmologia milenar, acreditaram que adotar a revolução copernicana, que por demais não estava ainda aprovada definitivamente, podia quebrar a tradição católica e que era seu dever proibir o ensinamento”. 

“Este erro subjetivo de juízo, tão claro hoje para nós, conduziu-os a uma medida disciplinar por causa da qual Galileu deve ter sofrido muito. É preciso reconhecer estes erros tal como o Santo Padre pediu.”

Os juízes de Galileu se equivocaram não somente porque hoje sabemos que a terra se move, mas naquele tempo não era possível saber. Por outro lado, a história da humanidade esteve cheia de loucos que afirmavam coisas surpreendentes e depois se revelaram falsas, hoje ninguém se lembra de seus nomes. Se Galileu tivesse proposto uma teoria diferente, hoje ninguém se lembraria dele. Este foi o primeiro erro objetivo. 

O cardeal Poupard também fala de um erro subjetivo. Qual foi? Creram que deveriam proibir um ensino científico por temor às suas consequências. Pensaram que permitir o ensinamento de uma doutrina científica que não estava aprovada podia colcoar em perigo o edifício da fé católica e sobretudo a fé das pessoas simples. E creram que era seu dever proibir este ensinamento. 

Hoje sabemos que proibir o ensinamento de uma doutrina científica é um erro. Não cabe à Igreja dizer se está provada cientificamente ou não. Corresponde à ciência. O que Galileu pedia é que a Igreja não condenasse o copernicanismo, não tanto por medo à sua própria carreira profissional, mas porque depois, caso se demonstrasse que a terra se movia ao redor do sol, a Igreja se veria em uma situação muito difícil e faria o ridículo diante dos protestantes e Galileu queria evitar isto, porque era um homem católico sincero. E dizia também: “Se hoje se condena como herética uma doutrina científica como a que a terra se move ao redor do sol., o que acontecerá no dia em que a terra demonstrar que se move ao redor do sol? Será preciso declarar heréticos então os que sustentam que a terra está no centro?”. Isso é o que estava em jogo, é muito mais complexo do que se costuma dizer. 

– Em que consistiu o castigo de Galileu? 

– Dom Sánchez de Toca: Disseram que Galileu havia sido veementemente suspeito de heresia, mas não o declararam herege. Pediram-lhe que abjurasse para dissipar toda dúvida. Galileu abjurou. Disse que ele não havia defendido nem defendeu o copernicanismo. Condenou-se ao índice de livros proibidos sua obra “O diálogo”, foi-lhe imposta uma penitência saudável, que consistia em recitar uma vez na semana os sete salmos penitenciais. Sua filha se ofereceu para fazê-lo no lugar dele, e isso foi o mais humilhante, deveriam enviar uma cópia da sentença e da abjuração a todas as nunciaturas da Europa. Foi condenado à prisão de regime domiciliar. Ou seja, digamos que a condenação objetivamente não foi muito grande. Não esteve na prisão nem um só momento, em atenção à sua fama, à sua idade e à consideração que tinha; foi tratado sempre com grande admiração. 

– Quem começou a difundir a lenda negra de que Galileu foi queimado na fogueira? 

– Dom Sánchez de Toca: Isso é o bom, ninguém o disse, mas todo mundo acredita. Provavelmente porque se sobrepõem as imagens de Galileu e de Giordano Bruno. Em todo caso, o mito de Galileu nasce com o Iluminismo, que converteu Galileu em uma espécie de promotor do livre pensamento contra o obscurantismo da Igreja, um mártir da ciência e do progresso. 

Galileu, na realidade, e isto é o que surpreende muitos, não só não foi queimado nem torturado, mas também foi católico e foi crente a vida toda. Não há nele o mínimo rastro de livre pensador. Não foi um católico exemplar, é verdade, e há momentos de sua vida pouco edificantes, mas em nenhum momento renega sua pertença à Igreja.

Ele o diz, exagerando como faz sempre, em uma carta a um nobre francês: “Outros podem ter falado mais piamente e mais doutamente, mas nenhum mais cheio de zelo pela honra e a reputação da Santa Mãe Igreja do que escrevi eu”. É exagerado, mas, em todo caso, demonstra que é verdade. 

– Ele teve duas filhas monjas? 

– Dom Sánchez de Toca: Teve três filhos, duas mulheres. Quando mudou-se de Pádua à corte de Toscana, colocou-as em um convento para o qual teve que pedir dispensa, porque eram muito jovens. De uma delas, Irmã Maria Celeste, conserva-se a correspondência entre pai e filha, que é verdadeiramente admirável. Ela era uma mulher extraordinária, muito inteligente, de uma grande perspicácia, grande escritora e há um livro que se baseia no epistolário entre a Irmã Maria e o pai. 

– Fale-nos sobre seu livro “Galileu e o Vaticano”, cuja edição italiana foi publicada recentemente…

– Dom Sánchez de Toca: Esta investigação não trata exatamente sobre o caso Galileu, mas sobre o modo em que a comissão que João Paulo II criou releu o caso Galileu, porque se o caso Galileu é uma telenovela, como dizia Dom Mariano Artigas, em um sentido literário – segundo o dicionário, uma telenovela é, além de uma novela longa e melodramática, uma “história” real com caracteres de telenovela, ou seja, insólita, lacrimogênia e sumamente longa –, o termo se contagia também à comissão que João Paulo II instituiu entre 1981 e 1992, à qual fizeram críticas muito fortes. Dizem que não esteve à altura do desejo de João Paulo II, que os discursos de encerramento do cardeal Poupard e do Papa foram deficientes e muito fracos, que a Igreja não fez realmente o que devia ter feito. Com o professor Artigas, o outro autor do livro, que morreu em 2006, o que fizemos foi estudar toda a documentação que há nos arquivos. Ver exatamente o que fez e como fez esta comissão. 

Nossa opinião é que faltavam elementos desde o princípio. Faltaram meios, boa vontade, mas, apesar de tudo, fez um bom trabalho, permitiu a abertura dos arquivos do Santo Ofício e demonstrar que na realidade não há documentos escondidos. Foram publicadas obras de referência importantes e creio que isto permitiu à Igreja fazer uma espécie de exame de consciência. Reler o caso de Galileu com outra luz. Não descobrir coisas novas, porque isso é difícil, e fazer que a Igreja em seu conjunto olhe serenamente para o caso Galileu sem rancor, sem medo. 

– Por que crê que o tema de Galileu irrita tanto a opinião pública, até o ponto de que os professores da Universidade da Sapienza tenham negado ao Papa Bento XVI a entrada no ano passado, por tê-lo citado em um discurso que pronunciou em 1990? 

– Dom Sánchez de Toca: Porque há quem esteja interessado em continuar fazendo de Galileu uma espécie de “santo leigo”, leigo em sentido anticristão. Mas, na realidade, foi um homem de Igreja, ainda com todas as suas deficiências. Recordo que um arcebispo de Pisa, que foi astrônomo, quis colocar, há anos, na praça dos milagres, a mais famosa, onde está a torre, uma estátua dedicada a Galileu. A prefeitura não o permitiu porque queria continuar mantendo a exclusiva sobre a imagem de Galileu, como se fosse alguém que não pertence à Igreja, mas ao mundo chamado leigo. 

Por isso, cada vez que por parte da Igreja alguém cita Galileu, há uma reação de “alergia instintiva” nestes ambientes de pseudociência, que dizem: “Como vocês se atrevem a falar de Galileu, vocês que queimaram Galileu?”. 

– Por que o Conselho Pontifício para a Cultura tem uma imagem de Galileu em sua biblioteca? 

– Dom Sánchez de Toca: Precisamente porque Galileu é um modelo de cientista crente. Ele investiga o céu, descobre coisas novas e procura integrar seus novos conhecimentos dentro de uma visão cristã. Esforça-se por demonstrar que não há contradição com a Escritura, com a Bíblia. O que acontece é que o fez com todo o entusiasmo transbordante que irritava muito os outros. Sem ser teólogo, ele se metia em um campo que era reservado exclusivamente aos teólogos. Na contra-reforma, que um leigo, sem ter estudos de teologia, se atrevesse a interpretar a Bíblia por sua conta, ainda que fosse em sintonia com a tradição católica, despertava imediatamente suspeitas. 

– Você se referiu às condutas pouco exemplares de Galileu…

– Dom Sánchez de Toca: Não é nenhum mistério que Galileu não tenha sido nenhum santo. Há alguns que, reivindicando o caráter de cientista crente, chegam a pedir inclusive sua beatificação. É demais… Galileu esteve convivendo sem estar casado com Marina Gamba, em Pádua, de quem teve três filhos. Isso não era especialmente escandaloso, mas tampouco era bem visto.

Por outra parte, tinha um temperamento forte, como os grandes gênios em geral. Tinha uma língua terrível. Foi imprudente, enfrentou a Companhia de Jesus, apesar de que os jesuítas o acolheram em Roma e avalizaram seus descobrimentos, quando era um perfeito desconhecido. Foi um pouco presunçoso, vaidoso, com grande ego. São defeitos que qualquer um pode ter e que não eliminam nada da genialidade de Galileu.

Sobre a Inquisição: aos palpiteiros com mentalidade formada pelo livro didático

A Inquisição e sua “Leyenda negra”

Desideologização e revisão histórica

Infelizmente, ainda hoje, pessoas com a mentalidade formada pelo professor do Ensino Médio, que falava abrobrinhas e uma porção de besteiras, continuam difundindo os velhos chavões sobre a Inquisição, sem levar em consideração a desideologização do assunto e os recentes estudos históricos. Quem não leva isso em consideração não passa de palpiteiro.

Grande especialista no assunto, Agostino Borromeo afirma que os pesquisadores têm os elementos necessários para fazer uma história da Inquisição sem cair em preconceitos negativos ou na apologética propagandista. Borromeo foi o coordenador do livro «Atas do Simpósio Internacional “A Inquisição”» de onde tirei diversas citações para este artigo. No volume, Agostino Borromeo recolhe as palestras de um congresso internacional que reuniu ao final de outubro de 1998 historiadores universalmente reconhecidos especializados em tribunais eclesiásticos.

«Hoje em dia –afirmou em uma coletiva de imprensa de apresentação do livro, o professor da Universidade «La Sapienza» de Roma– os historiadores já não utilizam o tema da Inquisição como instrumento para defender ou atacar a Igreja». Diferentemente do que antes sucedia, acrescentou o presidente do Instituto Italiano de Estudos Ibéricos, «o debate se encaminhou para o ambiente histórico, com estatísticas sérias».

O especialista constatou que, à «lenda negra» criada contra a Inquisição em países protestantes, opôs uma apologética católica propagandista que, em nenhum dos casos, ajudava a conseguir uma visão objetiva. Isto se deve, entre outras coisas –indicou–, ao «grande passo adiante» dado pela abertura dos arquivos secretos da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício), ordenada por João Paulo II em 1998, onde se encontra uma base documental amplíssima.

Borromeu ilustrou alguns dos dados possibilitados pelas «Atas do Simpósio Internacional “A Inquisição”». A Inquisição na Espanha que era dirigida pelos Reis, afirmou, em referência ao tribunal mais conhecido, celebrou entre 1540 e 1700, 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram 1,8%.

Pelo que se refere às famosas «caçadas de bruxas», o historiador constatou que os tribunais eclesiásticos foram muito mais indulgentes e humanos que os civis. Dos 125.000 processos de sua história, a Inquisição espanhola condenou à morte 59 pessoas. Na Itália, acrescentou, foram 36 e em Portugal 4. “Ao contrário do que se divulga, o número de pessoas condenadas a pena máxima era muito pequeno.”

Borromeo ainda afirma que muitas vezes os condenados eram executados em efígie (categoria da justiça penal medieval), isto é, onde bonecos eram queimados para representar aqueles que foram condenados à revelia. Tais penas, segundo o direito penal vigente na época eram chamadas de penas substitutivas, isto é, as haviam penas que eram executadas em efígies. Uma vez que a pessoa do condenado não era encontrada, ou tinha fugido, desaparecido ou se suicidado, fazia-se uma efígie, aplicando-se nela a pena.

Relata V. Hentig que ‘‘o castigo em efígie desempenhou importante papel no processo inquisitorial espanhol. Lemos que a Inquisição condenou à morte na Espanha, entre 1481 e 1809, 31.912 pessoas, das quais foram executadas em efígie 17.659”.

Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/index.shtml.

Algumas afirmações dos especialistas

“Portanto, contrariamente ao que se pensa, apenas uma pequena porcentagem do procedimento inquisitorial se concluía com a condenação à morte.” (Adriano Garuti, La Santa Romana e Universale Inquisizione, p. 415 in L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“A inquisição podia haver causado um holocausto de bruxas nos países católicos do Mediterrâneo, mas a história demonstra algo muito diferente, a Inquisição foi aqui a salvação de milhares de pessoas acusadas de um crime impossível.” (Gustav Henningsen, La inquisición y las brujas, p. 594. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“A documentação correspondente a Idade Moderna, ao contrário das fontes correspondentes ao medievo, é tão abundante, que nos permite com grande segurança calcular o número de bruxas queimadas pela inquisição. As cifras, por inesperadas, resultam assombrosas. Para Portugal é 4. Para Espanha, 59, para Itália, 36.” (Gustav Henningsen, La inquisición y las brujas, p. 582. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“Su exagerada suposição de que o santo Ofício, nesses dois séculos (XV-XVI), havia queimado a 30.000 bruxas, faz tempo que deixou de ser levado em consideração pela ciência.” (Gustav Henningsen, La inquisición y las brujas, p. 576. Atti del simpósio internazionale. 2003.)

“Não foi a Inquisição quem iniciou a perseguição às bruxas, senão a justiça civil nos Alpes e na Croácia” (Gustav Henningsen, La inquisición y las brujas, p. 576.L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“O certo é que, ao contrário do que comumente se crê, as perseguições de bruxas não se deveram a iniciativa da Igreja, foram manifestação de uma crença popular, cuja bem documentada existência se remonta a mais remota antiguidade.” (Gustav Henningsen, La inquisición y las brujas, p. 568. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“Dos processos que se vão publicando e também das biografias de inquisidores que vão aparecendo, se pode constatar que estes eram em geral pessoas com uma formação jurídica elevada e que suas atuações foram muito majoritariamente conforme ao direito, ainda que houvesse sem dúvida abusos.” (Arturo Bernal Palácios, El estatuto jurídico de la Inquisición, p. 152. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“De todas as formas, o direito inquisitorial neste ponto é um direito privilegiado como bem escreveu o professor Enrique Gacto, já contém sanções mais benignas que as do direito penal ordinário ou secular, em que o delito de heresia é reprimido inapelavelmente com a pena de morte. Mas o réu de heresia, resgatado pela jurisdição inquisitorial, tem aberta uma via que lhe permite escapar a esta sanção máxima e, com efeito, a evita sempre que confesse e manifeste seu arrependimento de forma suficiente.” (Arturo Bernal Palácios, El estatuto jurídico de la Inquisición, p. 140. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“A pena de morte foi impregada não somente na inquisição, mas praticamente em todos os outros sistemas judiciários da Europa.(…) O professor Tedeshi afirma: ‘tenho a convicção de que as futuras investigações demonstrarão que a pena capital foi usada com menor freqüência e com mais respeito pela dignidade humana nos tribunais do Santo Ofício do que nos civis.'” (Adriano Garuti, La Santa Romana e Universale Inquisizione, p. 417. L´Inquisizione, Atti del simpósio internazionale. Cittá del Vaticano, 2003)

“Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais penais europeus, a Inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra instituição. A tortura era emprega somente como último recurso e se aplicava em pouquíssimos casos.” (Henry Kamen, La Inquisición Española: una revisión histórica. Barcelona: Crítica, 2004, p. 184)

“As cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a realidade” (Henry Kamen, La Inquisición Española: una revisión histórica. Barcelona: Crítica, 2004, p. 185)

“Em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou de temperar a justiça com a misericórdia.” (Henry Kamen, La Inquisición Española: una revisión histórica. Barcelona: Crítica, 2004, p. 187)

“O número proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento eficaz contra a leyenda negra de um tribunal sedento de sangue.” (Henry Kamen, La Inquisición Española: una revisión histórica. Barcelona: Crítica, 2004, p. 197)

“As fontes históricas demonstram muito claramente que a Inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura “relativamente pouco frequente e geralmente moderado, era o recurso à pena capital, excepcional depois do ano 1500”. O fato é que os inquisidores não acreditavam na eficácia da tortura. Os manuais para inquisidores convidavam a que se desconfiasse dela, porque os fracos, sob tortura, confessariam qualquer coisa, e nela os “duros” teriam persistido facilmente. Ora, porque quem resistia à tortura sem confessar era automaticamente solto, vai de si que como meio de prova a tortura era pouco útil. Não só. A confissão obtida sob tortura devia ser confirmada por escrito pelo imputado posteriormente, sem tortura (somente assim as eventuais admissões de culpa podiam ser levadas a juízo). (Rino Camilleri,.La Vera Storia dell ´Inquisizione, Ed Piemme, Casale Monferrato, 2.001, p.p. 46-47).

Fonte: Blog Adversus Haereses.